Rindo da morte

A fortuna sorriu para mim, e ela tinha esse rosto.   Começo da tradução do artigo de Jean Elizabeth Seah https://ignitumtoday.com/...

O melhor episódio dos Simpsons e a minha maior frustração.

 O melhor episódio da série animado dos "Simpsons" pra mim e para muitos americanos é o vigésimo terceiro da oitava temporada, "O inimigo de Homer". Esse episódio dá espaço para discussões intermináveis, até sobre a essência mesma da série animada. É um episódio que faz você simpatizar com o vilão e se questionar: "Por quê eu gosto de Homer Simpson?". Para resumir os pontos-chave do episódio, basicamente Frank Grimes é esse homem de um passado muito sofrido, pobre, que fez a faculdade por correspondência e tudo quanto conquistou foi com esforço próprio (eles literalmente dizem isso dele na TV). Frank Grimes é contratado pela Usina Nuclear de Springfield e ele é o exemplo de funcionário perfeito e leal.

Grimes começa trabalhando no setor administrativo e logo se assusta com a quantidade de erros que é obrigado a consertar nas finanças por conta da incompetência dos funcionários, particularmente a de Homer Simpson. Grimes não reclama - ele acabou de chegar na empresa, - e no começo até tenta aprender algumas coisas com Homer, que o ensina coisas como desligar a câmera de segurança para poder tirar uma soneca, ou onde colocar seu café no painel onde ele não vá derramar e como passar mais tempo no banheiro do que no trabalho.

Grimes continua trabalhando duro, consertando os erros de Homer para manter o bom desempenho da empresa. Homer é promovido pelo trabalho duro que Grimes exerceu em seu lugar e quando Grimes é demitido por um erro de Homer, o ressentimento do novo empregado chega ao ápice e ele enlouquece com a frustração acumulada.

Grimes vai até a casa de Homer com o objetivo de lhe dirigir uns insultos antes de se mudar da cidade e ir buscar outro emprego. Chegando lá sua raiva e frustração são mais ampliadas ainda: Frank Grimes que tudo que fez na vida foi se esforçar para ser sua melhor versão não tem nada e ninguém, enquanto Homer Simpson, que ganhou o prêmio de não fazer esforço algum, tem uma bela casa e uma linda família. Frank Grimes não tem nada, Homer Simpson tem tudo.

Aqui é um dos pontos do episódio que fascina particularmente os americanos. É a desilusão contemporânea com o Sonho Americano.

A maioria das pessoas, e na escola e faculdade foi o que eu sempre ouvi, pensa no sonho americano como uma família, uma casa, um carro, um bom emprego, ás vezes riqueza, sucesso, etc. Nada disso é o verdadeiro sonho americano.

O sonho americano não é material, mas se materializa. Na minha visão, o sonho americano é algo universal. É um desejo de justiça e meritocracia que todo humano tem dentro de si. Se você trabalha duro, receber a recompensa desse trabalho. A lógica é que se você trabalhar, e mesmo que seja difícil e penoso e muitas vezes não dê certo, e continue insistindo naquilo, você vai receber a recompensa. Dinheiro, reconhecimento e a bênção divina.

O sonho americano se assemelha também ao Minecraft. Onde o que você constrói é seu e quase tudo depende unicamente dos seus esforços e da sua vontade de realizar. E os Estados Unidos com suas terras livres e virgens era o lugar para sonhar assim.

A frustração de Frank Grimes é a frustração de muitos. O Brasil é o caso de um país particularmente oposto ao sonho americano. Onde os esforçados e gênios são muitas vezes literalmente desprezados e os vis e torpes são exaltados como exemplos a serem seguidos. Quase nunca isso é feito publicamente, mas o que rege o ambiente da elite intelectual no país são as emoções mais baixas, como inveja e resssentimento. Rebaixar o outro para se sentir bem virou um mecanismo de defesa comum entre qualquer camada da sociedade. Isso não digo da boca para fora, e já está documentado faz tempo, entre vários autores da literatura nacional. Tem uma parte de algum livro do Machado de Assis que as pessoas estão conversando sobre um padre e uma senhora diz, defendendo o padre dos seus companheiros de sacerdócio que eram seus algozes: "Mas o Padre João estuda tanto!"; ao que eles responderam que era porque Padre João era metido. Isso também é bem expresso no Triste Fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto quando veem estantes e mais estantes de livro chegando na casa do coronel. Quando a esposa lhe pergunta "Você vai ler todos eles?", ele responde "É só para eu parecer culto". Esse mesmo coronel adorava, usando termos rebuscados, humilhar seus companheiros militares com sua erudição.

As coisas que decorrem desse tipo de mentalidade são fonte de frustrações para mim. Uma frustração tamanha que eu jamais aguentaria fazer uma faculdade que envolvesse disciplinas de humanas que eu conhecesse minimamente. Aqui não só é permitido, mas é aconselhado que você seja ignorante no conteúdo que está cursando, e que estude somente aquilo ali que o sistema te der. O estudante se aventura para ler um Umberto Eco, pensando que vai sair da matrix da faculdade, e mal sabe que o sistema já previu esse seu movimento e deixou "A rosa e o vento" dando mole justamente ali para ele pensar que aprendeu algo sobre idade média e filosofia.

O sonho americano é quando um homem estuda ciência naval a vida inteira, estratégia, navios e guerra, e um dia tem seu conhecimento reconhecido e recebe a oportunidade de trabalhar na marinha. É o mais lógico, afinal nós buscamos eficiência. No Brasil não buscam isso e estudar de verdade é perda de tempo. Quantos talentos existem por aqui e a nação nos últimos 30 anos não tenha tido quase nenhum talento nas artes, na pintura, na literatura, no cinema? O Brasil que na década de 30 exportava música e literatura para fora mais do que hoje exporta soja. Eu não sou ainda merecedor de qualquer fama ou reconhecimento por qualquer trabalho. Tenho muito pouco a oferecer ainda. Mas o meu sonho é esse, que eu possa ter algum lugar na sociedade para contribuir com tudo pelo que eu venho me esforçando diariamente.

Porém, eu gostaria de terminar de falar sobre o episódio dos Simpsons e terminar esse artigo em esperança, não em pessimismo para o futuro. Eu amo qualquer mitologia moderna, e os Simpsons faz parte dessa nova mitologia. Nessa mitologia é bem comum que o herói seja um tanto estúpido, ou melhor - criança. Não é infantil, mas criança. Porque o reino de Deus é dos pequeninos. 

Forrest Gump, Bob Esponja e Homer Simpson tem isso em comum e são os arquétipos de heróis modernos. A sua ignorância abençoada os protege da realidade que enlouqueceu e encheu de ressentimento a Frank Grimes. Pode ser uma ignorância selecionada, também. E isso é evangélico, como quando Jesus diz para não nos preocuparmos com o amanhã, nem com nada, mas deixar tudo nas mãos de Deus. Nisso Homer Simpson é mestre. O evangelho sempre trabalha muito essa mentalidade: se não há nada mais que você possa fazer, aprenda a aceitar as coisas como são. Aprenda a gostar delas, como Homer fazendo corrida de carrinhos no trabalho. Porque a verdade é que não é nossa profissão e nem as nossas ações que definem quem nós somos, mas sim a pessoa que sinceramente conhecemos quando estamos sozinhos. Deus não quer engenheiros automobilísticos da ferrari, e sim santos com um caráter de ferro. A ferrari pode ser rápida, mas não vai te acompanhar para o paraíso.



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